Estrofe VII de O GRITO DAS ESTÁTUAS

E o mar fantasma: as ondas levantadas
assim, suspensas no ar, petrificadas,
como se acaso o tempo ali cobrisse
tudo o que existe - a vida, a terra, as mágoas -
num sudário de escombros e velhice,
petrificando até as próprias águas!
Corro a indagar dos mortos o segredo
que há nos restos dos braços das arcadas.
Grito às ruínas, aos túmulos. E quando
olho em torno de mim, vejo, com medo,
os olhos das estátuas assombradas
com os seus braços de pedra me acenando.
(Estrofe VII de O GRITO DAS ESTÁTUAS)

Poesia Órfica em Sergipe


Era tão clara a tua voz,
e tão limpo o teu canto inaugural, ó noite,
que o tempo adormecia em tuas mãos!
De início, rejeitamos teus conselhos
dissimulados. Nautas fugitivos,
eis que a nave de Orfeu, que pilotávamos,
não nos pertence mais, pois a ofertamos
àqueles que hão de vir colher conosco
a treva e o medo, embora eles, no lago,
com a vida e as águas entre os braços, nos
surpreendam no triângulo da morte,
os olhos florescendo como peixes
que o teu milagre, ó noite, fecundou!

Transportamos pirâmides nos ombros,
para, sobre elas, construir o mundo
que nós, por sermos livres, sugerimos.
De música fizemos nossos mares,
para conter o céu que nos persegue.
Mas somos frágeis para suportar
a cabeça do Eterno, que se inclina
sonhando sobre nós, enquanto vamos,
ladrões famintos, carregando sombras.
Morrer? Não era a morte o que sonhávamos.
Somos pobres demais para morrer
com tanto ouro nas mãos, tanto arco-íris
nos olhos desta aurora que engendramos....

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COMENTÁRIOS

Ode Órfica não só nos impressiona pelo acervo de recursos expressionais: fôlego, cadência do ritmo, sonoridade do verso, orquestração vocabular, etc., mas, e sobretudo, pela abundância de pensamentos profundos. Dentro do inspirado círculo subjetivo-transcendental em que se desenvolve a temática do poema, sucedem-se imagens e símbolos numa carga emocional densa, de inigualável arquitetura poética.
JACKSON DA SILVA LIMA, Sergipe
(in Santo Souza, Obra Escolhida, 1989, p. 259)

Dentro de seus versos há uma eterna lágrima que não consegue cair em nossas mãos. Não sabemos se é de pedra ou de fogo: sabemos apenas que é lágrima. Lágrima que arde, caminha, soluça, protesta; lágrima de um deus, ou de um demônio salvo talvez pelas mãos de um gênio dantesco.
PAULO BOMFIM, São Paulo
(in Santo Souza, Obra Escolhida, 1989, p. 261)